Há 40 anos na praça da Sé, Sandoval Rodrigues já perdeu vários colegas de trabalho. Foto: Devanir Amâncio/vc repórter
O site Terra divulgou na segunda-feira, dia16, uma matéria escrita por um internauta para a coluna "Você Repórter", sobre a vida dos engraxates na capital paulista. O internauta Devanir Amâncio encontrou um engraxate de 84 anos que vive da profissão há 40 anos. O interessante da matéria é que ele é lavrense. Abaixo a matéria na íntegra extraída do site Terra.
Um serviço que cada vez mais perde clientela. Esta é a realidade de quem trabalha como engraxate na Praça da Sé, no centro de São Paulo. Com apenas 11 profissionais em um lugar que já contou com 38, a praça retrata como a profissão vai caindo cada vez mais no esquecimento.
Antigamente a situação era diferente. Há 40 anos, quando o mineiro Sandoval Rodrigues chegou ao centro da cidade, havia muito trabalho. "Eu chegava na Sé às 6h e já tinha fila para engraxar. Ia embora às 23h e ainda deixava cliente na mão", lembra, de forma saudosista, o senhor de 84 anos.
Rodrigues conta que entrou na profissão por acaso. Vindo de Lavras, no Sul de Minas Gerais, demorou a encontrar emprego em São Paulo e acabou recebendo a dica de que poderia trabalhar como engraxate quando passava por uma padaria. Havia, lhe disseram, muita gente seguindo essa vida e ganhando dinheiro. Aos 40 anos aprendeu a nova função e não parou mais. "Eu estou sempre no meu lugar, em frente a Barão de Paranapiacaba. Só não vou trabalhar quando chove".
E foi assim que Sandoval foi resistindo ao tempo. Passou pela "época boa", quando engraxava sapatos de 30 clientes por dia e chegou à "geração tênis", perdendo a clientela para os novos calçados. "As ruas asfaltadas também contribuíram. Antes o pessoal vinha com o sapato sujo de lama e eu já limpava, agora não tem mais isso", lembra.
Foi com o dinheiro do engraxe que Sandoval conseguiu cuidar da mulher e criar a filha. Também comprou a própria casa em Ermelino Matarazzo, zona leste da cidade.
Hoje, o engraxate chega a passar dias sem atender ninguém. "Às vezes aparece um ou outro, mas tem dias que eu fico lá sem fazer nada", lamenta o idoso, que cobra há 17 anos o mesmo preço pelo engraxe: R$ 5.
Das muitas histórias que viu, Sandoval lembra do dia em que teve a comida roubada. "Sempre levo minha marmita para o trabalho. Um dia tinha deixado para esquentar e virei às costas; quando voltei, vi um homem levando minha comida embora", conta, rindo.
Sem perder o bom humor, o engraxate sabe que sua profissão está sumindo. "Há uns anos éramos 18, morreram sete e ninguém entrou no lugar. Então, assim vai. Daqui a pouco é minha vez", conta referindo-se à turma das antigas.
Procurada pelo Terra, a Subprefeitura da Sé não soube informar quantos engraxates existem no centro de São Paulo, nem qual é o procedimento atual para conseguir uma autorização de trabalho na região. O órgão afirmou, no entanto, que existem dois projetos na Câmara Municipal para regularizar a situação dos engraxates na cidade, mas sem previsão de vigorar.
O internauta Devanir Amâncio, de São Paulo (SP), participou do vc repórter, canal de jornalismo participativo do Terra.