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Publicada em: 09/02/2021 16:04 - Atualizada em: 02/03/2021 18:40
Morreu Sebastian, o sapateiro de JK que morava em Lavras
Ele foi sapateiro de políticos, artistas e da alta sociedade carioca, foi considerado pelo Sebrae o Melhor Sapateiro do Brasil

Sebastian, o sapateiro de JK, que morava em Lavras. Foto: Jornal de Lavras

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Domingo, dia 7, Lavras perdeu um personagem de sua história: morreu em Belo Horizonte, o sapateiro Sebastião José de Souza. Foi ele quem confeccionou o par de sapatos para que Juscelino Kubistchek calçasse no momento mais importante de sua vida política: a posse como Presidente do Brasil. Sebastião, que era conhecido no mundo da moda como Sebastian, morreu de uma parada cardiorrespiratória no domingo quando visitava um de seus filhos na capital mineira.

O Jornal de Lavras, em agosto de 2014, entrevistou o sapateiro artista Sebastian, ele morava no bairro Pitangui e tinha uma sapataria nos fundos da casa, ele nos recebeu com toda sua cordialidade e o entrevistamos. Ele contou uma história apaixonante, que reproduzimos hoje, fazendo as adaptações nas datas: 

Sebastian nasceu em Arcos, na Zona do Alto São Francisco, na região Centro-Oeste de Minas, cidade conhecida como a Capital do Calcário devido as suas grandes jazidas e da qualidade do mineral. Ele nasceu na zona rural, numa família de 13 irmãos e era o filho acima do caçula. Acima dele havia 11 irmãos mais velhos. Mesmo sendo uma criança, tinha uma vida difícil. Seus irmãos mais velhos trabalhavam na lida da roça.

Um dia o seu irmão mais velho chegou em casa carregando nas mãos, as botinas que havia calçado para trabalhar, porém, uma delas apresentava um rasgo no couro. O irmão lamentou com a mãe que a bota estava estragada e lamentou ter que trabalhar descalço no dia seguinte. A mãe, sempre zelosa, disse para ele aguentar até o final de semana, quando iria à cidade e compraria um novo par.

Sebastian ouviu aquilo e quando ninguém olhava, pegou as botas, foi até um ribeirão próximo, lavou e a colocou de molho para amaciar o couro. Com um arame fino, costurou a bota e a deixou em condições de uso. Concluído o serviço, levou até o irmão mais velho e todos da família ficaram impressionados com a habilidade do garoto, que na época tinha 6 ou 7 anos.

A notícia sobre a habilidade de Sebastian com os calçados correu entre os moradores da zona rural e todos passaram a levar seus sapatos para ele consertar. O garoto foi adquirindo conhecimento e desenvolvendo novas técnicas de conserto.

O pai de Sebastian morreu e o irmão mais velho levou a mãe, Sebastian e o caçula para morarem na cidade de Arcos, onde Sebastian começou a estudar e trabalhar numa sapataria. Os irmãos ficavam na roça e finais de semana visitavam a mãe, Sebastian e a caçula.

Um dia Sebastian pediu a um dos irmãos que arrumasse para ele um leitão para ser engordado na cidade, o pedido foi atendido e Sebastian engordou o porco. Quando ele adquiriu peso suficiente, ele o vendeu, pegou o dinheiro, foi até sua mãe e disse que mudaria para Belo Horizonte para poder aprender a fazer sapatos femininos, nesta época ele tinha 13 anos. A mãe a princípio resistiu, mas acabou cedendo e deixando o filho embarcar, sem que os irmãos que estavam na roça soubessem, rumo a Belo Horizonte atrás de seu sonho.

Ele embarcou no Noturno, foram 12 horas de viagem até a capital mineira, isso foi há cerca de 77 anos. Ele foi com "a cara e com a coragem". Sebastian disse que, em Betim, uma senhora obesa embarcou na composição, disse que percebeu que ela tinha dificuldades com a bagagem e ele prontamente a ajudou. No trem ela se apresentou, se chamava Margarida, e o questionou, queria saber como um garoto viajava sozinho. Ele contou a ela sobre seu sonho: aprender a fazer sapatos femininos.

Quando a mulher percebeu que Sebastian viajava pela primeira vez, que estava com uma pequena quantia em dinheiro para começar a vida na capital mineira, ela se sensibilizou e o levou até uma pensão, a "Pensão da Dona Vitória", na rua Rio de Janeiro. Dona Vitória era uma italiana que prometeu a mulher que cuidaria do garoto. Ele dormiu e, no dia seguinte, dona Vitória buscou um jornal e procurou nos classificados uma oferta de emprego em sapataria.

A sapataria que estava empregando era na rua Diamantina, no bairro da Lagoinha. Quando chegaram ao local, perceberam que se tratava de uma pequena fábrica de calçados femininos, era tudo que Sebastian queria. O proprietário, José Machado, estava na porta fazendo a triagem daqueles que se apresentaram para as ofertas de empregos. Dona Vitória contou a ele sobre o menino e sua obsessão em aprender a fazer sapatos femininos. José Machado o mandou para o fundo da fábrica e esperar, foi o que ele fez.

Com o quadro preenchido, Sebastian pensou que não seria contratado, mas se enganou: o proprietário da pequena fábrica disse que lhe daria uma chance, mas ele teria que ficar em frente a um sapateiro de sua confiança e o apresentou, o homem também foi muito gentil com ele.

Na pensão ele entregou todo seu dinheiro para dona Vitória guardar, disse que se não conseguisse realizar seu sonho, pegaria o dinheiro e voltaria para Arcos.

Sebastian falou desses personagens com muito carinho e disse que eles foram "colocados em sua vida pelas mãos de Deus". Nos finais de semana, andava com dona Vitória pelas ruas de Belo Horizonte, foi assim que ele conheceu a "cidade grande". Dona Vitória era como uma mãe para ele, ela o levava todas as manhãs até o serviço, levava almoço e o buscava à tarde. Ela dizia: "escrevi para sua mãe e prometi a ela cuidar de você".

Dois anos depois, foi convidado a trabalhar numa das fábricas mais elegantes de Belo Horizonte, a Sapataria do Nicolas, um grego que fazia sapatos femininos para as principais lojas da cidade. Na Nicolas, trabalhou por quatro anos, até que o colega de profissão o convidou a abrir uma sapataria para homens e mulheres.

Nessa altura, Sebastian já não morava mais na pensão, tinha uma casinha pequena e se aventurou no convite do amigo. Nesta época é que ele foi ganhando fama, fama que teve até o último dia de sua vida: Sebastian era considerado o melhor sapateiro do Brasil, segundo uma reportagem do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) de 2012. Ele era um artista na profissão de fazer sapatos sob medida.

Ele era responsável pela confecção dos sapatos masculinos. Os clientes famosos foram aparecendo e Sebastian lembra de alguns deles: o filho do Magalhães Pinto, muitos deputados, prefeitos, banqueiros, artistas e médicos ricos. Um dos deputados que era cliente de carteirinha de Sebastian era Whady José Nassif, que foi prefeito de Uberaba. Foi através de Whady José Nassif que Sebastian conheceu Juscelino Kubitschek.

Juscelino Kubitschek, quando criança em Diamantina, teria machucado um dedo do pé, e sempre que podia liberava os pés - os pés que lhe valeram fama de exímio dançarino - mesmo que fosse em presença de autoridades, o que fazia a delícia dos fotógrafos. Um dos episódios mais conhecidos foi quando, na presença da atriz americana Kim Novak, tirou os sapatos e ela o seguiu, ficando descalça também, cena que inspirou o escritor Nelson Rodrigues a escrever "Bela Página", onde conclui o artigo afirmando: "O novo Brasil é justamente isso: - um presidente que tira os sapatos para uma beleza mundial", artigo para o jornal Brasil em Marcha, em 10 de fevereiro de 1961.

JK sentia dores fortes num dos pés por causa do acidente na juventude. Uma das preocupações dele, depois de eleito Presidente do Brasil, foi confidenciado ao amigo Nassif, que chamava Kubitschek de "Jota". JK disse que estava muito preocupado com a cerimônia de posse, pois teria que ficar muito tempo de pé e calçado, disse que sentia fortes dores no pé.

Foi então que Nassif disse que daria a ele o par de sapatos para a posse, para isso, teria que levar o seu sapateiro até o Palácio da Liberdade para tirar o modelo de seu pé. Foi assim que Sebastian conheceu JK: foi no Palácio da Liberdade para tirar o modelo do pé do presidente. Ele contou que Juscelino tirou os sapatos e colocou os pés sobre um papel tipo cartolina e Sebastian fez o contorno dos pés e marcou, com um "x" o pé em que JK sentia as dores.

A primeira coisa que pensou foi fazer um sapato com cromo alemão. O cromo alemão, também conhecido como Box Calf, é a classificação dada para as peles de bezerro utilizada pela indústria de calçados masculinos, é um couro extremamente macio devido a uma série de tratamentos químicos. Sebastian disse que rodou Belo Horizonte para encontrar o cromo alemão, mas não encontrou. Foi então que surgiu a ideia de adquiri-lo pelo reembolso postal, comprou de uma loja localizada na avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. A encomenda chegou 15 dias depois.

Sebastian confeccionou o par de sapatos e mostrou para Nassif, ambos foram até o Palácio da Liberdade e, segundo Sebastian, JK calçou os sapatos andou para um lado e para o outro e Nassif o disse: "Jota, é ou não é um grande profissional este meu sapateiro?" Kubitschek respondeu: "não é um sapateiro, ele é um artista, meu amigo Nassif".

Sebastian disse que ficou muito feliz com o comentário do Presidente da República, que foi até ele e perguntou quanto devia. Sebastian disse que já havia recebido do deputado Nassif, foi quando JK olhou para ele e disse: "o dinheiro dele não vale nada, eu faço questão de te pagar também". JK emitiu um cheque que, segundo Sebastian, era mais que o dobro do que ele havia recebido do deputado Nassif.

Sebastian, que nesta altura da vida já estava estabelecido e estabilizado, foi até Arcos e buscou a mãe e os irmãos para Belo Horizonte. Antes disso, aos 23 anos, ele havia voltado a Arcos a passeio, foi quando encontrou uma jovem chamada Geralda Teixeira, com quem se casou e teve nove filhos. Dona Geralda faleceu em Lavras aos 76 anos, no dia 21 de junho de 2016.

Juscelino Kubitschek assumiu a presidência da República após um período conturbado da política nacional. Com o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, seus opositores da UDN, apoiados pelo vice-presidente Café Filho, buscaram se manter no poder e afastar a possibilidade de retorno do trabalhismo de Vargas. A candidatura do mineiro Juscelino Kubitschek, fruto de uma aliança do PSD-PTB e com o apoio do Partido Comunista, frustrou as pretensões udenistas. Em outubro de 1955, JK foi eleito com 36% dos votos e João Goulart ganhou a disputa pela vice-presidência.

Carlos Lacerda liderou um movimento que tentou impugnar o resultado das eleições, sob o argumento de que Juscelino não teria sido escolhido pela maioria do eleitorado. Naquela época, contudo, essa não era uma exigência constitucional e as eleições realizavam-se normalmente em um único turno. Além dos políticos udenistas, o movimento golpista para impedir a posse de JK contou com o apoio da ala conservadora do Exército e do presidente interino, o ex-aluno do Instituto Gammon de Lavras Carlos Luz, que tomou posse após o afastamento de Café Filho por motivos de saúde. A posse de Juscelino e de João Goulart foi assegurada por um levante militar liderado pelo então Ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott.

No dia 31 de janeiro de 1956, JK calçou os sapatos confeccionados por Sebastian e assumiu a cadeira do mais alto cargo da Nação. Oito meses depois de empossado, Sebastian recebe um telegrama do Ministério da Aeronáutica, convocando-o a comparecer na 3ª Zona Aérea da Pampulha, em Belo Horizonte. Ele foi sem poder imaginar o que a Aeronáutica Brasileira queria com ele. Para sua surpresa, ele foi contratado como sapateiro do Ministério da Aeronáutica. Hoje ele é um civil aposentado pela Aeronáutica Brasileira.

Na Aeronáutica trabalhou para oficiais de toda patente, confeccionava calçados para eles. Sebastian contou que um graduado da Força Aérea foi a um país europeu e trouxe uma revista para a esposa, era uma revista de calçados europeus, sapatos finos e de grife. A mulher do graduado era muito exigente no que diz respeito à moda, além de ter um problema: ela calçava 40, mas tinha complexo disso e comprava sapatos 37, o que certamente lhe trazia desconforto para os pés e uma série de problemas.

O militar chamou Sebastian e o levou até sua residência e o apresentou para a esposa como sendo o melhor sapateiro que ele conhecia e que poderia ajudá-la. A mulher mostrou a revista europeia ao Sebastian e apontou o par de sapatos de seus sonhos, perguntou se ele fazia igual. Diante da resposta positiva do artífice, ela então o incumbiu da missão, mas recomendou: "calço 37, não esqueça disso".

Sebastian tirou o modelo do pé da madame e logo percebeu que não era 37. Ele tomou conhecimento do gosto apurado da esposa do graduado e de seu complexo. Sebastian fez o par de sapatos igualzinho o da revista, no tamanho 40, o tamanho real do pé da mulher, mas na hora de gravar o número do sapato na sola, ele gravou 37. Resultado: ganhou a simpatia da esposa do graduado e uma freguesa elegante, que divulgou sua arte pela sociedade belorizontina.

Sebastian viveu na Aeronáutica momentos marcantes, como o golpe militar de 31 de março de 1964 e a prisão e exílio de JK. Viveu e trabalhou durante os anos do regime militar até se aposentar. Aposentado, voltou para Arcos, foi viver na cidade em que nasceu, deixando para trás uma grande e elegante freguesia, que ficou muito triste com a decisão de não mais trabalhar, tomada entre ele e a família.

Em Arcos ele pensou que não trabalharia mais, viveria o resto de sua vida na tranquilidade, até que um médico renomado o reconheceu numa das ruas daquela cidade. Não restou alternativa ao sapateiro, a não ser voltar ao trabalho, confeccionado sapatos sob medida aos mais exigentes fregueses. Um dia, uma de suas filhas determinou que ele não trabalhasse mais e o trouxe para Lavras.

Em Lavras Sebastian não trabalhava, mas fazia questão de fazer os sapatos para os familiares. Teve também dois fregueses que ele não teve como largar: uma é uma inglesa, que inclusive, na época da entrevista, estava confeccionando para ela, um par de sapatos com detalhes de couro de raposa trazida dos campos da Inglaterra, o outro, é de uma mulher, que apesar de adulta, calçava sapatos número 30, e como é número de criança, ela não encontrava calçados com aparência adulta. Para ela ele ainda trabalhava, mas as vezes nem cobrava, fazia porque se sentia feliz em trabalhar para ela.

Sebastian, na época da entrevista, em 2014, tinha 83 anos, com aparência de 60, viveu em Lavras para a família e para a religião, ele era adventista. Era bem relacionado com os vizinhos e tinha muitos amigos. Procurava se manter no anonimato, mas como era um grande artista, foi descoberto. Ele tinha em sua casa uma sapataria montada, ela tinha as paredes decoradas com fotografias de seu time de coração, o Clube Atlético Mineiro, e reportagens de jornais e revistas, onde ele figurava como sendo o melhor sapateiro do Brasil.

Pouco antes de conceder a entrevista ao Jornal de Lavras, Sebastian deu uma entrevista para uma emissora de televisão fechada. Ela foi exibida via Sky. Ele era uma pessoa simpática e agradável, um homem polido e que tinha uma história de vida que servia de exemplo para todos.

O melhor sapateiro do Brasil, segundo pesquisa do Sebrae, foi sepultado em Belo Horizonte no domingo, diaS 7.

Sebastian adorava Lavras e sempre elogiava a cidade que escolheu para viver seus últimos anos de vida. 

Em Lavras mora, além do sapateio Sebastian, outra pessoas que foi marcante na história de Juscelino Kubitschek, eles não se conheceram, mas fazem parte da história. Um é o desembargador aposentado Gilson Vitral Vitorino, foi ele que concluiu que o que matou JK foi um acidente e que o motorista da Viação Cometa, Josias Nunes de Oliveira, indiciado por homicídio culposo, era inocente. Coincidentemente, o desembargador Gilson Vitorino mora na avenida Juscelino Kubitschek, em Lavras.

Os dois personagens foram marcantes nos momentos mais importante da história política do Brasil em que envolveu o presidente Juscelino Kubistchek, um na sua posse como presidente da República e o outro, na morte deste estadista.

Sebastian, o melhor sapateiro do Brasil, segundo o Sebrae, em sua pequena sapataria que mantinha na sua casa no, bairro Pitangui, em Lavras


 Posse do presidente Juscelino Kubistchek, calçando o sapato que Sebastian havia confeccionado para aquele momento histórico

Sebastian e sua companheira dona Geralda, eles viveram juntos até 2016, quando ela morreu em Lavras

Após sua viuvez, Sebastian contraiu segunda núpcias com Eni

 

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